28 abril, 2009


Petisco riscos. Frases em pequenas caixas que mando pra ninguém. O mundo é um mar grande demais. E na realidade, não quero descobrir um novo mundo. Ela é bonita. Ela é estrangeira. Ela queima em minhas mãos. Tenho uma ilusão de ir embora de mim. De não me continuar na manhã seguinte. De me pendurar na árvore do tempo e enganá-lo. Olho pro céu e armo uma briga com potestades que não me respondem. Que nunca me responderão. Tem um muro na frente. Tem uma casa na frente. Uma rua. Um poste. Um beijo que queima na cabeça. No coração. Quero não amar. Não me amarrar mais. Me soltar, nem que seja disso. Não há espaço na geladeira pra tantas garrafas de água. Não há mais espaço dentro de mim para tanta loucura. Tantas frases não ditas. Tantas perguntas que não serão respondidas. E baixo os olhos e só encontro os sapatos desamarrados. E baixo os olhos e só vejo os buracos de uma rua abandonada. E baixo os olhos e vejo uma formiga obscena levando um pedaço de uma planta talvez necessária. E baixo os olhos procurando algo que perdi. Que perderei. Que não sei. Não sei mais de nada. Pequenos pinos de tamanho diferente batem em sonoridades diferentes e rezo. Pra algo. Nem sei se rezo. Meio no meio. Sem saber de que lado da estrada estaciono pra olhar o por do sol. Não há nada com que se preocupar. A lição não será feita. Quem cresce crescerá. Não dependerá dos meus desejos. Ou olhará meus planos com olhos de acreditar. Estou pronto. Pro novo. Não estou pronto pro novo. Nunca vou estar pronto. Não sei onde fica o pronto. O ponto do ônibus. Pra onde vai o ônibus. Ela. Será que era ela na janela. Com um livro na mão, e a cara de quem não sabe pra onde está indo também. Amasso a massa entre os dedos. E as idéias me fogem, como presidiários que estouraram o muro de uma prisão de segurança máxima. Detesto sombras. Detesto sol demais. E a liberdade conta piadas que não entendo 24 horas por dia. Que? Quem? Prego numa cruz meu sorriso decorado e decido: só rir se tiver vontade. Só olhar a noite se for absolutamente imperativo. Só cantar no banheiro se lembrar a letra inteira. É verdade. É verdade que não gosto tanto assim de frutas. É verdade que não bebo tanta água. É verdade que gosto de café e cigarros. Que isso faz parte de mim assim como o mar não faz. Não sei recordar. Não sei gravar coisas que não quero em minha caixa preta de memórias editáveis. Eu não nasci no dia que digo. Não vou morrer no dia que quero. Não vou sonhar os sonhos que digo quando for dormir. Não vou editar minhas frases como se fossem ser lidas por um milhão de pessoas. Posso invadir sim. Gosto de invadir. De passar por cima. Gosto de trepar. De ver o rosto da mulher que está comigo sofrer os sinais da transfiguração que torna tudo a mesma massa viva e suarenta. Não olho os sinais. Não sei os sinais. Não sei falar em libra. Não respeito minorias. Sei dos perfumes que ardem em meu nariz nascido em terra estranha. Não planto. Não colho. Não sei a metade das coisas que precisaria pra morar sozinho. Detesto as pessoas e preciso delas. Nada se refaz. E ouço o grito do vizinho. Um grito que preferia mudo. Noutro mundo. O carro atropela o menino vendedor de jornal no sinal vermelho. Tem sempre alguém morrendo. Tem sempre alguém achando que vai ficar vivo tempo demais. O barão de barra de ouro comia suas crias como um deus possesso. Olhava com olhos de dono tudo a sua volta. Cada légua vista era sua. Bundas, vacas e escravos. Tudo seu. Um dia levou uma topada que arrancou sua unha. A gangrena comeu o barão aos poucos. E um riso que veio na asa de um urubu caiu como chuva por todas as léguas de dor. Choveu setenta dias. E nunca mais se ouviu o silencio. Tem uma pedra no lugar do coração. Do coração do mutante.

Um comentário:

Unknown disse...

Lupeu Lacerda é intenso, uma overdose, as idéias vindo todas juntas ao mesmo tempo, agora. Adoro! Grande poeta.