24 maio, 2007


Ele a olhou como se ela fosse um ser saído de um filme de ficção científica, blade runner? O homem do castelo alto? 2001 uma odisséia do espaço?
Ela o olhou como se ele fizesse parte da paisagem.
Ele quis levantar e ir na direção dela, mas teve medo.
Ela pensou com seus poucos botões: - se esse escroto encostar eu digo que tenho uma doença contagiosa.
Ele chamou o garçom e pediu uma cerveja com gelo no copo.
Ela pediu um Martini seco.
Ele pensou: - porque eu pedi essa porra com gelo no copo?
Ela pensou: - eu deveria ter pedido uma dose letal de qualquer veneno.

A radiola de fichas tocava “angie” na voz sensual de mick Stones Jagger.

*

Depois da quinta cerveja ele decidiu falar com ela.
Depois da oitava dose ela se perguntava onde acharia o otário que pagaria aquela conta.
Ele ia. Desistiu. Passou direto pro banheiro.
Ela esperou. – deve ser advogado. Pensou. Vai esperar que a bebida resolva por ele.

A radiola de fichas tocava “eu não sou cachorro não” e waldick soriano era quase Edith piaf.

*

Ele: - a cor do seu cabelo é bem bonita. (meu deus! Ela vai achar que eu disse que ela pinta o cabelo).
Ela: - eu escuto Vivaldi quando estou cagando. Isso deve influenciar na cor do meu cabelo. (esse imbecil vai dizer a que veio ou não?)
Ele: (rindo a meia boca) – você é bem humorada. (bruta pra caralho) Admiro isso numa mulher. (porra!!! Como é que eu saio dessa??)
Ela: - eu gosto de transar assistindo aqueles filmes antigos da pantera cor de rosa. (vou transformar esse cara numa empada). Gosto também de me masturbar ouvindo o programa de meteorologia. (ele está suando frio). Mas meu sonho de consumo é implantar um pênis com mp3 acoplado. (ele vai vomitar). Me fala uma coisa, você pode pagar minha conta? É que eu nunca tenho dinheiro. E adoro beber. (ele queria ser uma mosca, e voar pra bem longe).

*

Ele: - você é uma figura... (suma, desapareça, apague!)
Ela: - um personagem, você quer dizer né? Sou sim. Uma replicante. Sonhada por philiph k. dick.
Em sua mão uma reluzente arma começa a vomitar um raio fino e azul.

19 maio, 2007


Anacleto era analfabeto de pai e mãe. Mas se ele visse uma formiga encangada com outra, levando folha no lombo, vaticinava: chuva du carai! E era batata. Chuva de matar sapo afogado. Olhando o céu via coisas que os outros nem imaginavam. Nuvem virava anjo, avião, barco, girafa. Além de contar segredos que os outros nunca saberiam. Estiagem, mulé traindo marido, burrico que fugiu, violeiro novo que vinha, festa. Tudo ele sabia sem saber. E os que sabiam, sabiam nada. Anacleto também sabia os sabores da terra: pequi, mangaba, jaca, goiaba de vez, siriguela madura. E esses sabores ele sentia como ninguém: olhos fechados, riso escancarado. Anacleto conhecia as pessoas pelo nome da mãe e do pai: joão de maria, francisco de antõe pedro, elena de abdias. Anacleto se apaixonou uma vez por um passarinho, um cabeça vermelha que nunca cantou. E por uma mulher que um dia veio no circo. Ela pediu cinco contos. Deu um beijo. E sumiu em uma segunda feira de céu azul sem uma nuvem. Anacleto nunca mais viu graça nenhuma em nada. Soltou o passarinho. Deixou de adivinhar. Aprendeu a ler.