19 maio, 2011

Enquanto chovem balas no morro
Dionísio mistura na sua panela
O guisado de um sonho.
Um atordoado ator
Recita sextilhas dodecafônicas
De um autor triste e vencido.
O sangue que escorre morro abaixo
Tempera a adrenalina da cidade
Que se move, enlouquecida
Por baixo dos pés
Das meninas menstruadas.

11 maio, 2011

A palavra
nunca é só uma palavra
Nunca come quando diz que é fome
Nunca olha, quando o filme é mudo
Nunca morre, quando a bala é pra outro
A palavra,
nunca é só uma palavra
Nunca arde, quando é sem pimenta
Nunca afoga, quando diz que é choro
Nunca esquece, quando é flor dentro do livro
A palavra,
não morre quando quem fala morre
A palavra só morre
No silêncio do medo
Da primeira e
da última hora

09 maio, 2011

É no nada 
que mora a idéia
É do nada 
que surge a paixão
É de nada, 
que fiz por gosto
É o nada 
o que sobra
Da revolução
na evolução
do nada que fui
ao homem que quero ser
ação

03 maio, 2011

O mar de manuelina



Manuelina quer saber qual é a cara de deus. Manuelina quer saber quem é que merece um sorriso. Manuelina sabe que em algum lugar, em um jardim, existe uma fruta do conhecimento. Ela viu na bíblia. Manuelina olha pro céu e quer saber, por que quer, onde termina o céu. Onde começa ela sabe: na emenda do mar. Ela vinha dentro de um ônibus. Calor da porra. Olhou pela janela, e viu aquilo. Aquela imensidão. Aquela coisa que não tinha nome, nem trazia eco nos sons conhecidos dentro dela. Perguntou. O que é? O homem sentado do seu lado olhou pra ela como se estivesse falando com um alienígena. Como assim, o que é aquilo? É o mar. Mar? É sim. A maior coisa de toda a terra é feita de água garota. Garota, esse é o mar. Mar, essa é a garota que não lhe conhecia. Ela puxou a corda. Desceu. E nunca mais foi embora. Depois de um tempo ela começou a achar que o mar falava com ela. E lhe dizia coisas que ele trazia dentro de sua água. Falava de segredos que ficam de costas, nas esquinas do olho que mira. E ela pensava: mirando o quê? E ela sabia que onde ele encostava dizia coisas. E chorou, pensando que nunca ia ver onde esse mar que ela amava tanto se espreguiçava. Que nunca ia sentir o calor do sol quando acordava e vinha dormir dentro dele. A lágrima desceu até o canto da sua boca. E ela sentiu que o gosto da lágrima dela tinha o mesmo gosto do mar. Aí soube. Ela era parte dele. Por isso não teve medo quando entrou dentro dele. E se entregou absoluta quando ele entrou dentro dela. Ela sabia. Ela era um mar exilado. Só estava voltando pra casa.

(da coletânea "tempo bom")