29 agosto, 2008


Quem escreve na certa não é para esperar o messias
Quem escreve quer o anjo degolador
Quem escreve quer a ciência
De nunca saber o suficiente
De nunca escrever o suficiente
De nunca saber qual é o limite do suficiente
Quem escreve sabe que é medíocre na sua medida
Quem escreve nunca vai escrever melhor
Quem escreve não quer escrever melhor
Porque na verdade, ninguém agüenta seguir sozinho
Porque na verdade, melhor ser estrela e ficar
Do que ser meteoro e seguir
Quem escreve se afasta
Quem escreve diz, que quando escreve, se aproxima
Quem escreve pensa, que é a linha que segura a pipa
Mas a pipa não quer a linha, quer o céu
Mas a pipa não quer a pipa, quer ser nuvem
Mas a pipa não quer a nuvem, quer vir no vento
Quem escreve pisa na água da chuva
Quem escreve sonha com uma jerusalém nunca vista, abatida a tiros
Quem escreve, odeia quase todo mundo
E ama, seu reflexo colorido
Nas prateleiras dos supermercado.

27 agosto, 2008


Então aos quarenta e três não sei de que tempo entra em campo uma dor filha da puta. Estômago. Lado direito. Penso em meu pai. Uma dor dessas. Ele se apoiou no ombro de alguém que o levou até a ambulância. Ele não voltou. Ando pela sala. Acuado. A dor silenciosa que grita em meus ouvidos. Sento. Levanto. Deito. Acendo um cigarro. Jogo fora pela metade. Acendo outro. Mudo o canal. Mudo o canal. Mudo o canal. Mudocanalmudocanalmudocanal. Nada na porra da tela que adormeça essa dor. Pego o telefone. São duas da manhã. Quem acordo na terça? Desligado. Desligado. Desligado. A dor ligada. Vou no banheiro. Enfio o dedo goela a dentro. Quero vomitar a dor. Continua lá. Belisca. Unhas pontudas como as de uma mulher na noite de sábado. Unhas vermelhas? A dor. Caralho. Que puta dor. Abro a porta do armário. Quarenta gotas de paregórico. Vomito ópio. Mais quarenta. Vomito de novo. A dor me apavora agora. Não mais a mulher de sábado. Não mais a professora simpática de voz macia e suor perfumado. Agora a velha. A escrota dor. Olho as caixas de remédio. Nenhuma bula mágica que cesse. Penso em rezas. Alquimias de quando a serra me trazia a serena idade. Dor. Penso nas cervejas. Excesso, talvez? A dama branca? A dor não quer pensamentos. Penso no tempo. Nas seis balas de revolver do tempo. Quantas atirei? Quantas ainda tenho no bolso do colete? Eu não tenho colete. Dor. Dor. Dor. O amigo do trabalho aparece. Me pega nos braços. Sem força. Choro na cabine do carro. Urgência de um hospital nojento no centro da cidade. Bebe? Sim. Fuma? Sim. Drogas? Sim. Lacônico médico. Com sono talvez. Diz que tenho de parar tudo. Pergunto: e a dor? Vai passar, por enquanto. Ele diz. Lacônico. Sono talvez. Beat demais. Ainda não tenho obra pra ser póstumo. Saio as quatro da manhã. Sem dor. Dopado. Sei agora o meu limite de dor. Sei nada. Daqui, ninguém sai vivo.

19 agosto, 2008


Agosto
Um gosto de fruta velha, pendurada do texto do verso de um velho maluco cantando uma triste cantiga nas ruas enlameadas de potengi.
Agosto
Um rabisco de uma história em quadrinho de um tempo em que os índios comiam os inimigos com maionese rançosa produzida nas esquinas de nova Iorque
Agosto
Uma folha de parreira descendo espontânea da boceta de Eva em uma performance neo punk expressionista sob a luz ilusionista dos arabescos do cocainômano Sigmund Freud
Agosto
Cachorros loucos passeando sob o luar tragicômico de Santana do cariri
Agosto
Uns nascem
Outros renascem
Uns
Se rebelam.

15 agosto, 2008


Narani serve suco de nada em jarras escuras. Fala de sorvetes. Coisas geladas fabricadas no país dos eunucos. Dão medo. Dão sede. Dão vontade. Narani fala que a estrada é lenda. E que atalhos são mentiras. Diz: existe lua? Não existe. Aquilo é o olho único do unicórnio que criou isso tudo. Pergunta: tem dinheiro? Tem? Estende a toalha de crochê na calçada matizada. Castiçais de plástico. Incensos. Cabeças de boneca. Velas tristes. Apagadas. Narani diz da mágica das velas apagadas. Do medo de acende-las. Fala de um jantar macrobiótico. De sua infância primeira. De masturbação e pecados deliciosos. Mas isso é apenas um jantar. Narani sabe. Talvez o último. Um fio de baba escorre no seu queixo antigo e belo. Narani não tem idade. Conta que comeu coisas que não existem mais. Que bebeu refrigerantes sumidos nos baús da memória coletiva. A vida é só um dos tabletes doces no tabuleiro de Narani. Narani diz que a canção que ela mais gostou na sua vida era uma propaganda de chicletes. Mas ela não lembra a letra. Cantarola: nã na nana, nara rara ra. Ninguém sabe. Ninguém conhece. Narani diz que batizou todos os seus dentes: quando eles caiam, ela os batizava e enterrava no jardim. Lembra de todos. Mas não quer mais falar nisso. Ela nos conta que sempre detestou os arranha céus. Talvez pelo contexto da palavra. Ela não imagina alguém arranhando o céu. – isso tem conseqüência! Conta que sempre gostou de insetos. Que eles foram suas companhias mais fiéis. Sempre gostou das borboletas kamikazes. Voando ensandecidas para a luz. Pela luz. Ela diz que a gente é igualzinho. Que se fode. Mas bate a cabeça na direção da luz. Diz que um dia amou um guarda noturno. Pelo som do apito. Um dia o guarda mudou. Conta que notou. Pelo som do apito. Chorou. Depois casou com um palhaço de circo. Gostava de rir. O palhaço um dia sumiu. Deixou um estojo de maquiagem. Meia carteira de cigarros. Um pé de meia azul com bolinhas amarelas. Narani diz que só notou dois anos depois. Quando morreu pela terceira vez.

Zé de diadora escuta vozes que ele não sabe de onde. Diz ele que as vezes são cantigas, bem bonitas cantigas. De outras vezes são ordens. Gritos. Músicas estranhas. Cantos de passarinhos. Pergunto se ele escuta a gente. Falando com ele também. Diz que escuta. Que é como o botão de sintonia de um rádio. Só escuta uma coisa de cada vez. As vezes ele recita estrofes inteiras de camões. Outras vezes – em filas de banco – ele fala em línguas estranhas. Dona antonina diz que ele fala alemão, javanês, carioca. Dona antonina sabe. Dona antonina lê mão e vê visage. Zé de diadora vive das graças de deus. Trabalhar mesmo, nunca. De vez um quando faz um mandado. De vez em quando não faz. Ta sem vontade. Com calundu. Dona antonina disse a minha mãe que isso é coisa de homi donzelo. Que as coisas lá dele, subiram tudo pra cabeça.

11 agosto, 2008


no dia dos pais
pensei em jim
cantando the end

The end (tradução)
The Doors
Composição: John Densmore / Robbie Krieger / Ray Manzarek / Jim Morrison

O Fim

Este é o fim
Belo amigo
Este é o fim
Meu único amigo, o fim
Dos nossos elaborados planos, o fim
De tudo que permanece, o fim
Sem salvação ou surpresa, o fim
Eu nunca olharei em seus olhos...de novo
Voce pode imaginar o que será?
Tão sem limites e livre
Precisando desesperadamente...de alguma...mão de estranho
Numa terra desesperada?

Perdido numa romana...selva de dor
E todas as crianças estão loucas
Todas as crianças estão loucas
Esperando a chuva de verão, sim
Tem perigo no extremo da cidade
Passeie pela estrada do rei, bem
Cenas estranhas dentro da mina de ouro
Passeie pela estrada do este, bem
Passeie pela serpente, passeie pela serpente
Para o lago, o antigo lago, bem
A serpente é longa, sete milhas
Passeie pela serpenteÂ… Ela é velha e sua pele é gelada
O oeste é o melhor
O oeste é o melhor
Vá lá, e nós faremos o resto
O ônibus azul está nos chamando
O ônibus azul está nos chamando
Motorista, aonde está nos levando?

O matador acordou antes do amanhecer, ele pôs suas botas
Ele tirou uma foto da antiga galeria
E andou pelo corredor
Entrou no quarto em que sua irmã vivia, e...então ele
Pagou a visita a seu irmão, e então ele
Ele andou pelo corredor, e
E ele veio até a porta...e ele olhou para dentro
"Pai?", "Sim filho?", "Eu quero te matar."
"Mãe...Eu quero...te foder."

Venha bem, tente conosco (3x)
E me encontre atrás do ônibus azul
Fazendo um foguete azul, No ônibus azul
Fazendo um rock triste, vamos, sim
Matar, matar, matar, matar, matar, matar

Este é o fim, belo amigo
Este é o fim, meu único amigo, o fim
Dói te libertar
Mas você nunca vai me seguir
O fim da gargalhada e das mentiras suaves
O fim das noites que tentávamos morrer
Este é o fim

09 agosto, 2008

para iza greff


Meu Carnaval



(Guga Borba)

D D4 D G
Vou deixar a lareira acesa
A D D4 D D4
e sobre a mesa, o jantar.
D D4 D G
Vou levar a marmita tão boa
A D D9 D D9 Bm
que a própria patroa me faz.

E G
Quando digo as coisas tão lindas
D D9 D D9 Bm
Não te faz mal,
E G
Quando digo que sempre fascina
D D7
Meu carnaval.

G
Amanhã vai se abrir
A D D4 D D4
Em todo o céu carmesim,
G
A "lerdeira" certeira
A D D4 D D4
Que sempre certeza se faz
G A
Vou levar a bagagem mais cedo
D D9 D D9 Bm
Pra não te acordar

E G
Quando digo as coisas tão lindas
D D9 D D9 Bm
Não te faz mal,
E G
Quando digo que sempre fascina
D G D G
Meu carnaval
D G D G
Meu carnaval
D G D G
Meu carnaval
D D7
Meu carnaval

G
Amanhã vai se abrir
A D D4 D D4
Em todo o céu carmesim,
G
A "lerdeira" certeira
A D D4 D D4
Que sempre certeza se faz
G A
Vou levar a bagagem mais cedo
D D9 D D9 Bm
Pra não te acordar

E G
Quando digo as coisas tão lindas
D D9 D D9 Bm
Não te faz mal,
E G
Quando digo que sempre fascina
D Bm
Meu carnaval

(Nessa parte soe o acorde bem baixinho)

E G
Quando digo as coisas tão lindas
D Bm
Não te faz mal,
E G
Quando digo que sempre alucina
D
Meu carnaval
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06 agosto, 2008

JURUBEBA LEÃO DO NORTE


(jurubeba) – por mim nem tinha curva
(leão do norte) – por mim a água seria sempre turva

A CENA SE PASSA DENTRO DE UMA CAIXA DE VIDRO SUSPENSA POR UMA CORRENTE COM UM DOS ELOS QUASE PARTIDO.

(jurubeba) – a água é doce. A água é sempre doce.
(leão do norte) – e a porra da mágoa? A porra da mágoa é flor de lodo. É foto amarelada.
(jurubeba) – cala a boca caralho!!! Foto amarelada, fôda-se com suas fotos amareladas.

UM MICO LEÃO DOURADO SALTA DA SAMAMBAIA DE PLÁSTICO E LIGA O RÁDIO. ONDAS MÉDIAS.

(leão do norte) – preciso pagar carnês. Contas. Boletos. Jogar na loteria.
(jurubeba) – preciso que alguém me diga: - ria!
(leão do norte) por quê?
(jurubeba) porque entre eu e você tem uma noite de ônibus. Duas horas de avião. Um macarrão que detesto. Um livro de Carlos Drumonnd de Andrade que você me disse, um dia, que nunca, por motivos óbvios, vai ler.
(leão do norte) um dia, quando tudo perder a importância empírica. Um dia, quando a televisão ficar o dia todo desligada. Um dia quando todas as contas virarem piadas. Um dia quando todos os carros ficarem estacionados. Aí, e só aí, eu vou olhar uma flor até que ela se abra inteira. Aí, e só aí, eu vou pegar um desses livros com títulos estranhos e lê-lo do começo até o final. Antes disso, pra quê?

QUATRO OPERÁRIOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL PARAM EM FRENTE A CAIXA DE VIDRO E COMEÇAM A FAZER UM STRIPTEASE. UM DELES IMITA MADONNA. OS OUTROS SE IMITAM. UM VELHO ÍNDIO ACENDE VELAS DE TAMANHOS DIFERENTES. UMA VELHA ÍNDIA ACENDE UM CACHIMBO. UMA GAROTA ÍNDIA CANTA UMA LITANIA XAMÂNICA MONOCÓRDICA E IDIOTA.

(jurubeba) você quer ser uma mona lisa, só por causa do sorriso né? Você quer morder a orelha, como um vangogh mal humorado e sem graça né? Você quer êxtase, mas não quer terror né?
(leão do norte) eu vou re-encarnar em um urso de pelúcia. Eu vou ser um urso tecno. Eu ainda vou ter os olhos moles feitos os de pagu. Eu vou armar pra você uma arapuca de seringas beat polifônicas.
(jurubeba) a vida ta beleza man. Sem dores esquisitas. O paregórico segurando a cólica e a cerveja iluminando a lua plena. Então, o que dá pra lhe dizer agora é que sua bunda não faz diferença alguma. É que sua alma não vale um vale pro inferno. É que sua falsa cultura tem um ácido que corrói a paciência. Mas a vida ta beleza man. Ta beleza.

A CENA É ILUMINADA POR OITENTA E CINCO LANTERNAS JAPONESAS. DEZOITO MENINOS NÚS ENCENAM A DANÇA DA CHUVA PORTANDO MARTELOS. ELES AVANÇAM PRA CAIXA DE VIDRO. DEZOITO CINEASTAS CONVIDADOS REGISTRAM A CENA.

(leão do norte) aquele menino ta contando estrelas?
(jurubeba) é que ele acabou de assistir E.T. do Spielberg.

04 agosto, 2008


O leite derramado
No fogão de lenha
O sangue coalhado
No chão
Do boi
Morto.

02 agosto, 2008


O beato zuílio subiu os degraus da igreja matriz e gritou possesso: “estão tocando fogo nas beiradas do céu”. Contam que aquele um, o cego, era a encarnação de lampião truviscado com corisco. Onório correu nu depois de pular a janela de expedito leiteiro. O beato zuílio dizia: “é preciso imolar um cordeiro!” onório caiu aos pés do beato. Em suas costas, o cabo de uma faca de dezoito polegadas cravadas até o talo. Aquele um, cego, se benzeu. O resto do povo correu. O beato olhava em silêncio. Um silêncio de fim de tarde, quando parece de verdade, que tão tocando fogo nas beiradas do céu.