30 abril, 2011

Aqui, agora, o agora perde 
a importância. 
O frio sobra. Sabre.
Frio como se nada mais frio. 
Ninguém se conhece. 
Todo mundo procura sua cara 
no espelho do outro. 
O outro se esborracha no chão 
pra não parecer. 
Não ser. 
Nem ser.

22 abril, 2011

Os primeiros dias são sempre mais difíceis



Depois de uma semana de oba oba, Adão olha assim meio que enojado para a merda do paraíso. Uma coisa assim, como se fosse uma ressaca. Ele sabe que aquilo é grande demais. Seria muito melhor a porra de um apartamento, um flat em um lugar bacana. Pra quê aquela megalomania? Aquele imensidão do caralho? Sabe que o salário não compensa, que não lhe é dado o devido valor, entre outros problemas menores. O que ele sabe é que não vai mais agüentar muito tempo isso de ficar falando com coisas que não lhe respondem. Se sente ridículo gritando com os bichos ainda sem nome. Acha que vai terminar ficando louco de pedra. Isso de batizar um por um? Coisa por coisa? diz que não tem inspiração que agüente, que eles voltem amanhã, em uma semana ou nunca. Nunca seria uma boa pedida. Olha pra cima, pros lados, pra baixo e grita com deus: - cadê a porra da assessoria? Alguém da área de criação, pelo menos um eletricista? Eva olha pra adão com um tédio sereno. Senta-se na beira de um rio? Riacho? Lagoa? O incompetente do Adão ainda não tinha decidido. E olha pros peixinhos coloridos – todos sem nome também – pensando em esganá-los. Será possível esganar um peixe? Olha pra adão e pergunta: - o personal trainer, chega quando? E o cara da TV a cabo? Adão olha, olha, vê se deus não ta olhando e pensa em nomear um pedaço de pau: porrete, e acertar com ele na cabeça daquela costela com nome de mulher.

14 abril, 2011

A insanidade do concreto 
é quase nada
Para o beija flor
O vodu do silicone 
é mais que banal
Para o beija flor
O equilíbrio do copo 
em cima da prateleira
É falsa notícia
Para o beija flor
O gás mostarda tem menos importância
Que o grão de mostarda
Para o beija flor

07 abril, 2011

O destino não tem tino. Nem tento de gol. Se mastiga na autofagia dos instintos básicos. Nada do que a gente conta é verdade. É a pétala que quer falar da flor como se flor fosse. Ela, ele, elas, eles não conhecem a flor. Depois de passada a faixa do final da corrida se descobre que nada há  a ser descoberto. Somos fundos demais em nossos rasos, ou rasos demais em nossos precipícios. Ninguém se salvará. Não há do que. Pode acreditar. A ilusão enfuna as velas e sai navegando em busca de um amor que não faz jus a nada. Não poderia. Por não ser. O anão não grita com os gigantes, não por medo, por não ser escutado. Então é destino. Fica quieto e cumpre. Acerta lá com deus, cobra dele: que porra foi essa meu irmão? O destino. Não esqueça. Fique sendo notado por não notar.

02 abril, 2011

Fico imaginando o vestido dela. Tafetá? A cor de seu batom, uma coisa suave acho. E um rosto como uma tela de um desses artistas que nunca fizeram sucesso. Empoeirado. Por isso mesmo bonito. Uma banda chamada bárbaros da bossa cantava as músicas que embalavam aquela noite que parece, quando são as primeiras, não ter fim. O fundo do olho de uma pessoa assusta. É um buraco que brilha, e fala uma língua que prescinde de palavras. Sempre tive medo de me meter olho adentro das pessoas. Mas com ou sem medo, as vezes era necessário. E olhar um olho é como enfiar uma mão dentro das coisas da pessoa. É como uma zombaria. Um pau entrando boceta adentro tem menos dano. O peito dói. E a má água será sempre bebida em goles generosos. Até que eu sou educado, mas às vezes não dá.