27 agosto, 2008


Então aos quarenta e três não sei de que tempo entra em campo uma dor filha da puta. Estômago. Lado direito. Penso em meu pai. Uma dor dessas. Ele se apoiou no ombro de alguém que o levou até a ambulância. Ele não voltou. Ando pela sala. Acuado. A dor silenciosa que grita em meus ouvidos. Sento. Levanto. Deito. Acendo um cigarro. Jogo fora pela metade. Acendo outro. Mudo o canal. Mudo o canal. Mudo o canal. Mudocanalmudocanalmudocanal. Nada na porra da tela que adormeça essa dor. Pego o telefone. São duas da manhã. Quem acordo na terça? Desligado. Desligado. Desligado. A dor ligada. Vou no banheiro. Enfio o dedo goela a dentro. Quero vomitar a dor. Continua lá. Belisca. Unhas pontudas como as de uma mulher na noite de sábado. Unhas vermelhas? A dor. Caralho. Que puta dor. Abro a porta do armário. Quarenta gotas de paregórico. Vomito ópio. Mais quarenta. Vomito de novo. A dor me apavora agora. Não mais a mulher de sábado. Não mais a professora simpática de voz macia e suor perfumado. Agora a velha. A escrota dor. Olho as caixas de remédio. Nenhuma bula mágica que cesse. Penso em rezas. Alquimias de quando a serra me trazia a serena idade. Dor. Penso nas cervejas. Excesso, talvez? A dama branca? A dor não quer pensamentos. Penso no tempo. Nas seis balas de revolver do tempo. Quantas atirei? Quantas ainda tenho no bolso do colete? Eu não tenho colete. Dor. Dor. Dor. O amigo do trabalho aparece. Me pega nos braços. Sem força. Choro na cabine do carro. Urgência de um hospital nojento no centro da cidade. Bebe? Sim. Fuma? Sim. Drogas? Sim. Lacônico médico. Com sono talvez. Diz que tenho de parar tudo. Pergunto: e a dor? Vai passar, por enquanto. Ele diz. Lacônico. Sono talvez. Beat demais. Ainda não tenho obra pra ser póstumo. Saio as quatro da manhã. Sem dor. Dopado. Sei agora o meu limite de dor. Sei nada. Daqui, ninguém sai vivo.

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