10 novembro, 2010

Ela sabia que eu sabia. A comida feita e colocada no prato como se pra um porco servida. Eu sabia que ela sabia. Olhos sempre em direção aos pés, como se fugindo, como se quisesse que o tempo saltasse, entre uma mentira e outra e acabasse logo. Ela sabia que eu sabia. A boceta seca, sem gosto, como uma fonte que tivesse morrido. Eu sabia que ela sabia. Frases pela metade, coisas sem dizer, clichês decorados de filmes de sessão da tarde.  Ela sabia que eu sabia. O deslumbre pela cidade grande, a praia, o desbunde invejoso de quem não sabe o caminho e tem de seguir alguém. Eu sabia que ela sabia. Cada pessoa um degrau. Até que a solidão mais que perfeita a amordace em seu castelo dourado e sem portas de saída. Ela sabia que não sabia. Eu sabia que ela não sabia. Eu não sei. Nunca soube. E vomitei meu amor e bílis em um esgoto mal cheiroso da casa do sem jeito.
Mordo o calendário maia
Começando com as segundas feiras
Tempo de ampulheta bêbada
Caindo pelas tabelas
O tempo se esconde
Na sombra do edifício
Hospício
Solstício bruxo as onze da manhã
Nos olhos de nero
Tocando fogo em amsterdã
Nada claro no discurso:
Ozônio nas alturas
Ozana no puteiro
Incendiando com seu clitóris
Minha coleção de extintores

28 outubro, 2010

Éter pra reter o retorno eterno
Esquecer o terno pendurado no cabide empoeirado
Do esquecimento mensurado
Esquecer o aperto terno no coração balançando
Em um balanço velho de infância esquecida ali sei lá onde
Eterno retorno ao que parece bom
Porque longe, porque editado
O osso duro que na lembrança parece carne macia
O tempo é um cachorro sem dentes
Que esqueceu o sabor da comida
Éter

20 setembro, 2010



Deus amarra o cachorro
Abstrato late o lato senso
Deus cria o tosco
Iconoclasta que ama sua estátua dourada

Deus faz o homem de carne de segunda
No sábado mal passado
E cria o bandeirante adâmico
Comedor de índias evas

Deus miscigena
Por tédio
Por experimentação e erro

As plantas ele bota de sacanagem
As plantas e as
Muriçocas

01 setembro, 2010

A fuga no fusca.
As carreiras.
Tem gente na gira desde os tempos que
nasce. E não sai da
gira nunca. Esse é o giro
da gira. A pomba que gira no
giro da azagaia.
E cai a onça o boi
a puta. A ponta da azagaia
aponta. É coisa de desafio, sem
medo. Se encara tem que botar
cara de homem, e não tem essa de
pedir arrego. Quer levar um sacode,
fala.
Na minha área só para
quem pode. Aí digo: fuja comigo.
Quando se sai pra atirar tem que
atirar até nos jardins de plástico.

20 agosto, 2010


A marca de batom na camisa
Um cheiro insuportável
De noite muito boa
Sal de frutas
Comprimido pra dor de cabeça.
Se o telefone não tocar, até o meio dia
É a glória.

19 agosto, 2010


Teus olhos que sigo
Acompanham o giro
Da roda gigante
Você mastiga seus cadarços
E desvenda o velcro
O menino passa com sua bola
O traficante passa dando uma bola
O tempo fica
Teus olhos explodem
O parque fica bem mais bonito

Um centauro canceroso
Acende seu marlboro
E conta pra ninguém
A história real das lendas

18 agosto, 2010


sei da cor do silencio das palavras
de pedra, de couro esticado de lagartos ao sol
sei da inexistencia dos sons
melodramáticos, ecos mortos,
asas de um anjo tão real quanto.
sei de cor a palavra que diz do silencio
do martelo quebrando a pedra
a mão faca arrancando a pele, da alma
do lagarto rei
os sons, quebram os sons
regurgitam gritos
e seguem em direção ao matadouro.

06 agosto, 2010


karimai
(a desnecessidade de palavras)


A lembrança que tenho dele
É de uma cena de filme zen
Água e açúcar em uma pequena colher
Um jardim
A espera de uma borboleta
O que era mais leve?
A borboleta feita de vento
Ou as mãos do mestre?
No fim, não sei se era desenho
A borboleta que bebia água com açúcar na colher
Ou a do papel, saída do coração de karimai
Bateram asas as borboletas e o mestre
O céu está mais bonito e colorido

31 maio, 2010



Um só riso. Sorriso de luz, e solidão no sol. Amar, enlouquecer, adoecer. Estourando bombas de um são João imaginário. Desesperados esperando, esperados. Os mortos são calmos, estão calmos. O condenado é o vivo. A paisagem que assusta. O morador intergaláctico. O olho é nunca, o olho é jamais. Um bandolim que rasga a noite silenciosa, como um vinte e um no dado. A catedral em um pesadelo, uma manchete de jornal banhada em sangue árabe, mouro, cearense. O piano dói no coração amassado. Cidades que nunca vi enquadradas, em quadros antigos sem valor. O cinema mudo, a luz não acenderá sozinha. E não há mais medos ou dedos nos interruptores. Você é o quase nada que amarga na boca, como um ácido de tamarindo. Eu como os passos passados pra vomitar o presente. Um Noel ensandecido que odeia chaminés. Na tarde silenciosa o mel do mar é um canto miúdo de um passarinho. Meus dedos são peixes. O rio corre. Eu olho sempre o mesmo rio. Durmo, acordo, e uma mecha de cabelo salta do baú e cai na minha memória estragada. Domingo é sempre dolorido, como uma ferida no joelho. Uma flor me faz falta, na janela do mundo. Um copo de boa bebida que me cure o coração machucado. Rir. Um tanto de risos.

08 maio, 2010

Tenho tempo não
De contar que o passado passou,
que meu relógio quebrou,
que morreu alguém importante,
tenho tempo não
de tudo que possuo
só posso dizer que é meu
este instante

06 maio, 2010


A fera sempre rondará o cheiro dos meus passos trôpegos na madrugada. A fera. A ferocidade intacta da feroz cidade. A fera sabe da minha paixão por telenovelas, dos meus ouvidos moucos, dos meus comprimidos de acabar com a dor num instante. A fera. Quando olho pra cima, lá está: lambendo a pata em cima do muro da casa velha. A fera recita um verso de um cantor que não conheço e a tempestade se instala.

26 março, 2010


O almoço é de pastel e coca
O arroto tira o gosto
O cigarro completa
o tanque
E a barata kafkiana passeia
por trás
Do garçom mal encarado

15 março, 2010


Os homens se soltam.
Tristes em seus discursos de fim
de noite.
Só mais uma.
Os homens se amarram, se prendem,
tristes, as suas camisas suadas de um
time de futebol que decepcionou
no domingo.
Os homens se largam, tristes,
em cadeiras torturantes de dentista.
Os homens tristes,
brigam com outros homens tristes,
pela consumação da última piada.
Depois, os que sobram,
tristes,
pedem uma pizza,
envelhecem,
desmoronam.

04 março, 2010


Sobre o tempo

Então chegou o senhor fulano,
trazendo em sua mão ossuda e
tatuada,
uma velha ampulheta quebrada.
Com uma voz que esqueci
(porque nem ouvi)
Me disse que eu estava jurado de morte
Me disse que a minha sorte
É que a vida anda muito
ocupada

27 fevereiro, 2010


Há em você, um profundo apego pelos contrastes
Os opostos, vão sempre lhe causar fascínio
A volubilidade lhe domina, confesse
A coerência é uma bolacha com gosto de ontem!
O silencio lhe acalma, mas é seu grito a necessidade primeira
A verdade faz sua cabeça, mas a mentira brinca no seu palco,
E é perfeita!
Sua distração é marca, totem, mas sua esperteza brilha
Estrela de primeira grandeza em um céu escolhido na véspera
Quando tranqüila, um desastre! Mas mãos divinas quando quer fazer
Certo sempre! Mas o errado é um amigo bacana, quê que tem falar com ele?
Que o mundo esteja certo, mas suas dúvidas te estimulam
E você diz: “penso antes de agir”
Mas a impulsividade é teu verbo conjugado em primeira pessoa
Reta? Pode até ser. Mas o caminho torto tem seus encantos
Discreta, por natureza.
Mas irreverente até o tutano.
A pobreza dos filhos da puta que não sabiam qualé? Te comove
Mas o dinheiro te excita: é uma montanha! Uma praia! Um sonho em tecnicolor!
A bondade, esta em você, mas ser má (de vez em quando)
Te faz muito bem, eu sei
Chora? Talvez. Mas é alegria que te move.
Responsável? Sempre! Mas sempre pronta a mandar tudo pro inferno
Romântica? Sim, num filme bacana, num beijo bacana,
Mas a razão é teu deus mais que perfeito
É um poço de pureza, e tem o pecado como o doce na prateleira, bom de pegar
Você é, exatamente
O que você não é
exatamente

O coração é um móvel estranho que
não cabe na sala
Que se esconde
no peito
Que não posso pegar
na minha mão
Nem polir com uma
flanela amarela
Mas é ele quem dita meu
poema
E que manda minha mão
escrever
Minha derradeira carta
De amor

24 fevereiro, 2010


E nem vem dizer
Que o tempo é fechadura sem chave
Porque chove
E quando chove tudo fica triste, ou então
alegre.
E quando alegre, tudo o mais vira traste, porque chove, porque molha
E quando molha é sempre mais difícil
engolir
Um discurso fleuma, flácido, porque triste
E nem vem dizer
Que o imortal amor morre de parto
Porque parto
E quando parto, ou partem, fica tudo em pedacinhos
Como docinhos, azedinhos, porque amores, porque partidos
E quando partidos, tudo fica indivisível, porque chove
E a chave
Perdeu-se entre os trastes, das fechaduras tristes
de vez em quando acerto numa foto
e fica umas paradas bacanas.
estando afim, dá uma olhada:

http://www.fotosdelupeu.blogspot.com/

23 fevereiro, 2010


O barco é um rio feito
de madeira
De madeira também o homem que joga
a rede
Rede de água feita de nylon
É tudo água
O barco é uma ave pousada
numa arvore corrente
As correntes que prendem o
barqueiro a terra
São feitas de terra
É tudo terra

04 janeiro, 2010


Esqueço o calendário.
Depressa.
Certeza de procurar uma resposta,
Qualquer uma.
Nada a ver com essa dor no peito.
Nada a ver com a constatação absoluta e intrínseca
dos meus defeitos com cheiro
de camomila e vinho.
Procuro o vidro com as anfetaminas.
Vontade de ir assim sem sim.
De verdade? não conheço o cara da minha identidade.
E você foge com seus delírios mal vestidos.
Com seus vestidos cor de nada.
Com suas flores de plástico
de garrafas pet.
Nada a ver com essa ânsia.
Nada ver com a discordância das notas
desse piano.
De onde veio a merda desse piano?
eu mastigo os seios dos meus medos.
Talvez assim, porque
Eu detesto olhar pra trás.