28 novembro, 2008


Eu tenho dezenas de ânforas
Sabia?
Em cada uma delas
Guardada do tempo,
Um bem querer.
Ali, naqueles papéis,
Guardo poemas de um tempo
Em que o tempo era
A minha preocupação nenhuma.
Naquela gaiola? Tejuro
Nunca morou nenhum passarinho.
De vez em quando remexo tudo,
Mas dói...
E o de vez em quando tem de ser só
De vez em quando.
Em uma das ânforas, dia desses,
Descobri vinte e nove interrogações.
Subi no último andar
E espatifei-as na calçada.
Não agüentava mais me responder:
Porque não fui?
Porque não comi?
Porque não aprendi?
Eu sei das perguntas, barulhentas
O que eu não sei,
É como silenciá-las.

25 novembro, 2008


Uma noite uma mulher me chamou como se chama um homem. Percebi? Senti. Sem que ela falasse, seus olhos queimaram meus braços, pernas. Quis me entender. Ser homem. Tomar atitude. Não entendi nada. Bateu medo. O pau dando sinal de vida dentro da minha velha calça jeans sem cueca. Pensei: ela tem os olhos de sangue. Ela tem os olhos de quem comete um crime. Ela tem os olhos... ela tem os olhos mais bonitos que eu já vi na porra da minha vida. O copo tremia na minha mão. Olhava. E quando ela olhava, firme, certeiro, eu desviava os olhos. Como uma presa indefesa. Devagar. Devagar ela veio. Lenta como um bicho que vai pegar um bicho menor. – eu sei teu nome. Sei onde você mora. Sei o nome da bebida que você tá bebendo. Só não sei quando é que você vai jogar esse cigarro fora pra eu te dar uma chupada na boca. Medo. Puta que pariu. Ela me assustou de verdade. Joguei o cigarro fora. Sem charme. Rápido demais talvez. Ela se encostou em mim. Não, não é verdade. Ela quase entrou em mim com roupa e tudo. Não escutei mais nada. Tinha alguém tocando no palco? Tinha alguém perto? Ela se encostava mais. Imaginei que nunca mais ia descolar dela. Não queria. Não podia. Se ela saísse naquele momento acho que morreria. Tinha um cheiro doçe. Não sei o nome do perfume. Mas ainda hoje, trinta e tantos anos depois, se sinto alguém passando com esse cheiro na rua, paro. É ela. O fantasma dela. Cheguei em casa naquela noite com um gosto que superava a falta de gosto de todo o resto. Namoramos duarante um ano. E todos os dias, era como a primeira vez. Um entrando no outro. Depois do medo da primeira vez, o tezão absoluto. O vício. O gosto bom da boceta dela na minha boca. O riso sem motivo aparente.Os olhos cor de jabuticaba tatuados nas minhas retinas. Saias coloridas. Jeans desbotados. Sandálias de couro amarradas nas pernas. O cheiro... o cheiro... um dia ela veio se despedir. Me comeu como quem sabe que vai passar fome depois. Me mordeu. Me arranhou. Lambeu o sangue. Chorou. No outro dia eu olhei o céu de manhã e rezei: - por favor, eu nunca te peço nada. Não anoiteça! Não anoiteça, pelo amor de deus. Quando a noite chegou eu tomei um porre, e chorei. Como os guerreiros vencidos. Como os países que são invadidos. Como os bichos. Ela me ensinou a ser bicho. E depois, me soltou na cidade. Um menino com a dor de um homem. O cheiro... o cheiro...

18 novembro, 2008

SHOW DE ROCK E LITERATURA NO PÁTIO DO ICBA

A banda de punk rock Pastel De Miolos (no seu primeiro show acústico em 14 anos de trajetória), o poeta Lupeu Lacerda (com poemas de seu primeiro livro "Entre o alho e o sal") e o quarteto de escritores CORTE (Gustavo Rios, Sandro Ornellas, Katherine Funke, Lima Trindade e Wladimir Cazé) participam do projeto Remix-se, no sábado, 22 de novembro, no Pátio do ICBA (Corredor da Vitória). No show, a energia e a sonoridade pesada da Pastel De Miolos se somam à modernidade urbana da literatura baiana contemporânea.



Lupeu Lacerda vem de Juazeiro (BA), onde mora, para seu primeiro recital em Salvador, a convite do CORTE. Ele fará uma leitura improvisada, com acompanhamento musical da Pastel De Miolos, e o CORTE fará intervenções com trechos de seus livros, durante a execução de algumas músicas pela banda. Gustavo Rios lerá seu poema "Ilusões", musicado pela Pastel De Miolos (que fará parte do próximo CD da banda), Lima Trindade lerá um trecho de seu conto "Queen Mary II", Sandro Ornellas lerá seu poema "Serpentário" (ao som de "Riders on the storm", do Doors) e Cazé lerá um fragmento de um texto inédito.



A Pastel De Miolos é um power trio (guitarra, baixo e bateria, respectivamente Allisson Lima, Alex Costa e Wilson Santana) com incontáveis shows na região metropolitana de Salvador, pelo interior, em outros estados e convites para Warped Tour na California (USA). "Tocamos juntos há tantos anos e nunca tínhamos feito um show com violão no lugar da guitarra", diz Alisson, que, no recital de literatura e rock, vai trocar a guitarra por um violão turbinado por efeitos de pedal. "Quando uma banda coloca elementos novos, muda tudo, o processo criativo parece que se abre", repara Alisson. Além de músicas próprias da Pastel De Miolos, a platéia ouvirá clássicos do punk nacional – "Soldados" (Legião Urbana), "Até quando" (Plebe Rude), "Astronautas" (Replicantes),"Que Vergonha" (Olho Seco), “Fênix” (Declinium) – e estrangeiro ("Brand new Cadillac" e "Guns of Brixton", do Clash).



A discotecagem ficará por conta do Dj CHICO CASTRO Jr.



FICHA TÉCNICA:



CORTE: Lupeu Lacerda, Sandro Ornellas e Wladimir Cazé (poetas) Katherine Funke, Lima Trindade e Gustavo Rios (contistas).



Pastel De Miolos: Alex Costa (baixo e voz), Alisson Lima (guitarra e voz) e Wilson Santana (bateria).



Discotecagem: Dj CHICO CASTRO Jr.



No TELÃO: Exibição do DVD “Resistir...” da banda PASTEL DE MIOLOS



SERVIÇO:



Onde: ICBA / Instituto Goethe, Avenida Corredor da Vitória, 1.809, Salvador (BA)

Quando: 22 de novembro, às 18h

Quanto: Entrada franca

Realização: Projeto Remix-se

E-mail: verbo21@gmail.com

Site: www.sequicosacro.blogspot.com

www.myspace.com/pasteldemiolos
www.remix.art.br

11 novembro, 2008


Falo uma língua
Arrevezada
Herdada da rua meio assim
Aprendi a contar usando os dedos
Os medos
Enquanto esperava
Sempre esperei
Daí que aprendi
A língua que pede
Comida
Lombra
Perdão
Arrevezada língua de deus
Na babel
Maior que qualquer escrita

10 novembro, 2008


O domingo é um dia cruel. O sol bota as unhas. A mão inteira no chão. Acho que resolveu foder com tudo. Penso em me fechar no quarto. Me sentir camisa. Me pendurar em um cabide e dormir. Morrer. Tudo dentro do guarda roupa é morto. Opaco. Cheira a naftalina e lembrança. O sol. Vai embora quando? A noite vai chegar quente. Sem alma. Sem vento. Acendo o cigarro número quarenta e quatro. Solto a fumaça número noventa e nove. Na fumaça desenho uma nuvem. Uma chuva. Talvez uma chuva. A fumaça olhada. Dissecada. O cadáver de um vício companheiro da solidão em tecnicolor. Não quero olhar da janela. A janela não existe. A janela existe. E tem um mundo vasto demais visto pela janela. Sei da impossibilidade. Não olho pela janela. De certa forma sou um fugitivo. Um exilado do mundo. Fazendo parte, não faço. Não faço nada. Não nado. O sol. Trégua nenhuma. Nada de mão passando nas costas. Nada de carícias fraudulentas e de mão única. Sem rir. Sem falar. Ordem. Seu lugar. O sol. O termômetro enlouqueceu. Quarenta e cinco. Meu personagem esqueceu a fala. A deixa. O ponto. Meu personagem não sabe que perdeu. Ou o que perdeu. Não estou bem certo do que digo. Não quero ser roupa. Quero ser a colcha jogada de qualquer jeito sobre a cama largada no quarto de qualquer jeito. O sol. Puta que o pariu. O sol. Penso nu. Penso em sair nu. Impraticável. Onde colocar cigarros, celular, carteira, moedas, amuletos, patuás, flagrantes? Falar pouco. Falar nada. Seduzir pelo silêncio. Tornar o silêncio tão denso que incomode os ouvidos. Café. Traz café frio. Gelado. Uma cerveja. Duas. Um monte. Gastar pouca energia. Levantar o braço devagar. Coçar os ovos. Passar o cigarro pra outra mão. Coçar o sovaco. Uma punheta talvez? Impraticável. Calor retado. O sol. O suor pegajoso. Um nojo sereno de mim. Da humanidade. Da água morna. Gritar. Gritar não. Gasta muita energia. Não quero mais palavras. Uma de três letras está me matando. Com mais lentidão. Como se tortura fosse. O sol. Sol. Sol. Puta que pariu.