26 junho, 2008


Anoitece na cidade dos impossíveis. A ponte presidente dutra é o retrato desses impossíveis: um caos. Cenário de blade runner com misturas hiper-realistas de um algum vanguardista europeu. Como disse, anoitece. A barca cruza devagar o velho chico. Indiferente a ponte. Indiferente aos replicantes que cruzam a pé, de barco, de moto, de bicicleta. Na primeira parada, fabinho diz: vamo vê o xamã! Instantes depois, já com a colômbia nas narinas e a loura gelada no coração seguimos viagem. E que viagem...

Acorda, levanta, resolve

Há uma guerra no nosso caminho

Nos confins do infinito

Nas veredas estreitas do universo

Vejo

As cinzas do tempo

O renascimento

As danças do fogo

Purificação, transporte

Escuto

O trovão que escapou

Lirinha se veste de louco. Parece um pouco com cada um dos que dançam esperando a chuva. Esperando a porrada certeira nos cornos. Luzes no palco. Escuridão. Um candeeiro, e o palco é uma tapera. Em cima da serra. Tem um pé de umbuzeiro na porta. Lá fora os lobos. Os lobos. Os bobos.

Antes do peito dos mouros Antes dos gritos da gente Antes até da saudade Que viajou além-mar Do banzo dos africanos Do toré no mato verde O fogo com seus estalos Fazia um som Já fazia um som Já fazia um som

Duas horas de catarse. De loucura. De gritar ao som dos tambores. De uma hora pra outra, acabou-se. Ruim sair assim. Como se o final não fosse aquele. Como se aqueles tambores nunca mais saíssem. Como se o som nunca mais parasse de explodir. De tocar. O xamã acende um candeeiro. Segura em sua mão de tremes e tremes. Canta. Recita. Eu bebo. Abro os braços. Louvo o santo louco dos loucos da terra dos impossíveis. Aí chove. E lava a mágoa de quem não queria que a noite acabasse. Mas ela sempre acaba. Como tudo. A noite sempre acaba... e chove...

Seu boiadeiro por aqui choveu

Seu boiadeiro por aqui choveu

Choveu que amarrotou

Foi tanta água que meu boi nadou

25 junho, 2008


bailarinas

não fazem amor

não

amanheçem

não

sabem rir

engolem devagar

com os olhos poentes

bailarinas somem

e não deixam pistas

ou notas musicais

de despedidas

18 junho, 2008

Má água


em minha mágoa
som stéreo
Má água
em minha mágoa
amálgama

Eu vomito febem com meus meninos de ouro e pólvora com sangue e gelatina. Assisto aos vídeos de nada e cuspo uma rebelião atrás da outra. Ligo o rádio e cuspo uma tristeza enganchada na outra. Faço pouco. Cuspo solidão. Corto com facão a realidade da idade irreal. Minha mão. Minha mãe... minha mãe regurgita passado. Aflita sempre. Ela quer uma solução pros seus pequenos problemas. Probleminhas pequeninos e insolúveis. Eu como interrogações. Cuspo frases feitas. Para quê? Pra disfarçar a porra da pobreza. Pra disfarçar a falta de um mapa. O celular indigesto é só um gesto em minha mão moto-contínua.

02 junho, 2008

é tudo free




Estou doando o meu pedaço de amazônia
Estou doando o meu sangue contaminado por dengue e dengo
Estou doando os meninos do meu bairro que pipam crack
Estou doando meu médico que consegue me examinar em 40 segundos
Estou doando a polícia armada até os dentes da minha cidade
Estou doando as leis burladas da minha constituição
Estou doando a maconha proibida e a alface transgênica liberada da monsanto
Estou doando a minha música que toca no rádio o dia inteiro
Estou doando o artista plástico que amarra um cachorro e o deixa morrer de fome e sede
Estou doando meus paletós e gravatas que enfeitam brasília
Estou doando minha alma a quem interessar possa
Estou doando minha pele com poucas tatuagens para servir de decoração pós moderna
Estou doando os meus adiamentos
Estou doando as minhas filas
Estou doando meus patrões todos, os do passado e os do presente
Estou doando minha sociologia burocrática
Estou doando meus adultérios
Estou doando minha maturidade
Estou doando minha afinidade com a loucura
Estou doando esse meu monólogo em ré menor
Estou doando minha alegria amancebada com a tristeza
Porque no meu país, os homens não crescem
Mas teimam em rebaixar o teto.

Estou doando, não pela minha boa índole. É que na verdade, eu fico muito puto quando um milionário vem aqui, compra, e eu não sou consultado. Então, para que problemas não hajam, de hoje em diante quem quiser – de minha parte – pode pegar.