25 abril, 2008


Eu não te disse mãe? Faz mais de dezoito dias que não tomo nada.
E, basta eu assistir televisão pra me dar uma puta vontade de rir.
Caralho, minha mãe quer que eu seja a única pessoa lúcida
nessa porra de mundo?

Eloá apareceu no Borba Gato no dia 28 de Dezembro. Alugou um apartamento no bloco B, abriu a janela e começou a chorar. Junior Boca estava ensaiando gaita no andar de baixo. Foi ele que contou. Vinte minutos exatos Eloá chorou na janela. Decorrido este tempo ela olhou o relógio, fechou a janela e tornou a abrir. Agora ria. Gargalhava. Junior Boca diz que imaginou: “puta que pariu” mais uma débil mental. Eloá riu durante vinte minutos. Repetiu o ritual. Fechou a janela. Quando reabriu já tinham umas dez pessoas olhando pra sua janela. Imaginavam o que ela faria durante os próximos vinte minutos. Ela olhou-os em silêncio, fez uma mesura e desapareceu.

22 abril, 2008


Urbanidade na feroz cidade. Ferocidade urbana na falta da tarde quente. Queria ver uma estrela agora de tarde, mas é foda. Estrela de tarde? Tem que estar muito doido. Madalena mandou a conta do bar. Disse que é a última vez que bebo fiado no bar dela. digo: o problema é a falta do mar. Se houvesse mar, eu bebia menos – ou não – daí, devia menos – ou não – daí, que madalena não vinha com essa cobrança. Preciso de beira de mar madalena. Preciso de uma estrela de tarde. Porque senão eu vou embora. E ir embora é rir. Rir embora. Se não der pra entender, não dê. A estrada é nova, ou não madalena? Lembra. Lombra. Um baseado aceso na feroz cidade. Ferocidade. Felicidade de não ter que explicar a opção sexual. Alguém realmente opta madalena? Eu tenho um medo do caralho de ir embora. Pra são luiz. Pra alto paraíso. Pra casa da porra. Lembro. A dor vem sem diasepan. E o sol não nasce no passado. Quem quer o brilho na tarde sabe: as estrela não aparecem antes da dalva. E a estrela é de dalva madalena. Entendeu? De dalva. D ´alva.

21 abril, 2008


Na manhã do terceiro dia na cadeia Diogo percebeu que não era sonho. As grades eram reais. As paredes rabiscadas com nomes de mulheres. Poemas falando de bocetas, paus, cús. Tudo real. Resolveu dar uma geral nele mesmo: pés descalços, um deles seriamente machucado. Pernas nuas. Um corte superficial na canela direita. Joelhos ralados. Coxas com manchas arroxeadas. Uma cueca azul. Tórax com várias escoriações. Braços inteiros. Mãos inchadas. Pulsos com marcas azuladas. Cabeça raspada. Olho direito parcialmente fechado. Olho direito aparentemente bom. Lábios cortados quase na totalidade. Dois dentes moles. Depois do balanço, as perguntas: porque tinha sido preso? Porque tinha apanhado tanto? Quem eram aquelas pessoas que estavam na cela? Onde era aquela cela? Em que merda de lugar do universo ele estava?
- Senhor Diogo Alvarado! (O policial não parecia estar de bom humor)
- Tem algum Diogo Alvarado aqui? (a impaciência do policial era quase visível)
- Sim senhor... (a subserviência, sempre a subserviência frente ao inusitado).
- Porque não respondeu logo seu filho da puta? (o poder, a vontade de poder).
- É que eu ainda estou meio zonzo senhor... Porque eu to aqui? O que eu fiz? (o medo, o medo, o medo...).
- Eu faço perguntas, entendeu? Eu faço perguntas e você responde de imediato entendeu seu corno? (o primeiro tapa estala no ouvido de Diogo), eu sempre faço perguntas e você sempre responde com a maior rapidez possível, entendeu seu filho de uma puta nojento? (o chute bate no saco de Diogo que cai aos pés do policial)
- Diog...
- Sim senhor ( a resposta imediata)
- Você está sendo acusado de...
- Fui eu! Com certeza fui eu ( a rapidez necessária)
- trouxe aqui estes papéis para você assinar a con...
- O senhor pode me passar à caneta? Por favor? Em três vias?
Diogo Alvarado passou onze anos preso. Deixou de se perguntar o que tinha feito, ou a quem. No dia que foi liberado saiu sem olhar para trás. Não sabe quem o batia. Não olhava pra cima. Não sabe que cidade é essa, simplesmente foi na rodoviária, comprou uma passagem e se mudou. Se tinha família, desistiu de tentar saber. Amigos, coisas, amantes... Não sabe. Quando o ônibus parou em uma cidadezinha serrana para abastecer ele desceu. Sentou na praça. Decidiu ficar. Ficou tanto tempo naquela praça que foi confundido com uma estátua. No dia que andou, assustou os passarinhos. Decidiu não mais andar. Petrificou-se. O prefeito mandou botar uma placa. Mas todo mundo só o conhece como a estátua que andou. No dia em que se auto-petrificou, Diogo riu. Mas igual à mona lisa, ninguém sabe do que ele riu. Talvez nem ele.

Samuel beckett me ligou ontem. Disse que estava em uma festa. Duvido, até porque ele não gosta mesmo de sair de casa. Engoli a estória. Ele me conta, gritando, que comeu lila brik antes de maiacóvski. Pergunto: o que isso muda samuel? Ele diz que eu não entendo nada. Eu digo: vladimir se suicidou no dia 14 de abril de 1930 porra! A boceta de lilá brik está solenemente enterrada em algum cemitério russo. Assim como a de polonskaia, e de todas as mulheres de vladimir. O pau dele tinha veneno. A poesia dele tinha veneno. Tem. Vá tomar no cú samuel. Você também está morto. Não saia da porra da sua tumba pra me contar delírios que nem são seus, são meus.

20 abril, 2008


Ovídio apareceu de noite. Disse na portaria que tinha reserva. É lógico que não tinha. O borba não faz reserva pra ninguém. Alugou o apartamento da viúva leonor. Pagou mais caro, porém descolou de grátis a mobília da defunta. Ovídio diz que é filósofo. E escuta metallica o dia inteiro. Diz que as tartarugas tem alma. Eu digo: asma? Ele responde: alma, ignorante! Acéfalo! Gosto de ovídio. Gosto de não compreendê-lo. Ele cozinha bem. Um único prato. Macarrão com rodelas de ovos cozidos e queijo ralado por cima. Do caralho. Quando não tenho grana sento na sua porta. Ele sabe. Ele sempre sabe. Mesmo sem olho mágico ele sabe quando tem alguém em sua porta. Ele diz: eu ou o macarrão? Sou sincero. Digo: o macarrão. Mas tem recital, ele diz. Tudo bem, eu digo. O que não tem um preço? Ele me diz que está pesquisando a vida sexual de eleanor rigby. Eu digo que ela é uma personagem. Não é real. E ele diz que sabe que ela é uma personagem. Quem não sabe é ela.

Coisa de se olhar devagar. Divagando. Sentindo pelo prazer de sentir. Então, cada minuto um presente. Presente só naquele minuto. Tomar banho de rio, no frio de uma tarde de calor. Por do sol. Dourada bola de cristal avermelhado em cima da ponte presidente Dutra. Depois olhar devagar. Divagando, subir a ladeira, parar no balcão do flamboyant. Cerveja gelada. Besteirazinha conversada. Besteirazinha de nada. Devagar. Beijo na boca sem culpa. Sem remorso lendo um livro. Hilda Hilst escrevendo com os ovários. Os seios. A pele absoluta em cada linha. Divagar. Assistir um filme moderno. Bem devagar. Devagar. Depois do cinema as luzes no rio. Ela passa. Me pega pela mão. Me leva pra lavar os pés. E depois me come

18 abril, 2008


Eu sei o tanto que sou bobo, babaca, sonhador
Até porque prefiro “eu mesmo” me nominar assim.
No meu país de sonho, as madrastas se fodem no final
E pais não jogam meninas risonhas pela janela.
No meu condomínio a síndica xinga
Recita poemas
E canta canções do arco da velha
No meu condomínio as balas são literárias
E pseudo artistas não amarram cachorros nas paredes – pra que eles morram de fome e sede. Quem é o animal aí?
No meu condomínio as pessoas estão presas em seus sonhos de látex
Maconha, adrenalina e sabor que se sente pelo nariz
Mas a mentira não acampa nos jardins calcinados da minha loucura
Eu sou só um grande menino, provavelmente mau, mas incapaz de machucar uma borboleta.
Estou triste
Porque a menina não abriu as asas e voou sobre os assassinos
Porque o circo não me agrada
Porque isso, de certa forma
Quase derruba as paredes do meu condomínio coração.
Penso em luisa, luana
Penso: onde porra a gente vai chegar?
Onde porra
A gente
vai
chegar?

08 abril, 2008


eu vou contar a história caso ela surja caso ela seja caso haja uma eu vou eu vou eu vou pra casa eu vou e quando chegar e não souber o que é casa arranco o C de casa e pego a asa o que faço com a asa é um problema é um dilema é uma letra de canção em que a canção supostamente pulou fora e quem pula fora pula por que quer quero quereres querida o que se pode escrever e as vezes nem dá vontade de parar e parar é ordem e ordem é chicote se abatendo no caos e caos é criação livre e absoluta abso luta luta tem sempre que haver alguma luta alguma puta alguma juta alguma multa eu vou contar os dedos caso tenha sobrado algum eu vou contar os olhos que não sabem bem o que significa o mar eu vou contar as línguas que não sabem do sabor estranho de cada parte do corpo de quem se quer bem naquele momento.

eu vou contar.

só esse momento.

07 abril, 2008


E então moça do sobrenome esquisito, eu resolvi dar nome aos bois. O primeiro, eu vou chamar de Eurípides, e todos os que vierem dele, serão os “filhos de Eurípides”. O segundo eu chamarei de dumará. Por quê? Realmente não sei. Bois, ao que eu sei, praticamente se autodenominam. São como semibreves em uma música. Ou pequenos pingos de vermelho em uma tela hiper realista de alguém sem nome lá pras bandas de muito longe. Então, moça do cabelo preto que nunca vi, resolvida a questão da nomenclatura bovina, vamos ao sentido exato. Lato. Ato. Saudade. É certo, nunca te vi e provavelmente não verei nessa encarnação. Logo, essa saudade deve ser a ausência de um ser, que sei, vem de um: planeta/asteróide/poeira cósmica similar ao meu. Você vê e faz história com a história que você conta. E vai contar. Contará? Eu canto histórias que conto enquanto a história me carrega pela mão como uma sacola de supermercado. Rala. Fininha. Vai rasgar exatamente na esquina. Olha lá, as laranjas rolando no asfalto. Agora não dá mais. Deixa rolar. Eu. Ateu. Atoa. Ativista de um sonho sem bandeira. Cadê a bandeira? Roubaram a bandeira na brincadeira de vinte anos atrás. Eu não sei quem roubou a bandeira moça do cabelo comprido. Eu te digo da saudade? Não digo. Eu te digo que dentro de mim tem uma festa. E meu coração, anfitrião onipresente se faz de mágico em todos os lugares. Escutando? Celso blues boy. Bebendo, amarulla talvez. Dependendo da hora um café amargo. Fumaça subindo pro nariz. Abrindo os olhos pro dia. Dizendo bom dia como quem determina: bom dia! Então bela moça do cabelo comprido, eu estou pegando aqui o meu espanador de penas de dromedário. Com ele vou espanando as minhas e as tuas dores – quando possível – e rindo o meu e o teu riso – quando necessário. Então eu digo? E precisa? Sobre o nome. Um nome. Nome. No no no no meu meu meu meu. Meunomeunome? Então moça. Tenha um bom dia. Aliás, tenha bons dias. E que o sol se ponha leve como um solo de sax chamando a noite. Falo de saudade? Falo não. Falo de gratidão. Bom conhecer pessoas que a gente nem conhece.

03 abril, 2008



tomada um - uma mulher atravessa a rua cantarolando uma canção do pato fu. em suas mãos, como um pingente, um livro do caio fernando abreu. seus pensamentos anunciam seus passos: que seja doce, que seja doce, que seja doce...
tomada dois: um cavalo verde, com cartola lilás enfeitada de penas azuis de pavão pilotado por três gnomos se materializa em sua frente. o cavalo deseja bom dia em dezoito idiomas. a mulher ri. faz carinho no cavalo. os gnomos lhe oferecem uma flor e sorriem. a mulher bate as asas, vôa até a árvore mais próxima, e põe-se a ler o livro. do seu lado, os heterônimos de fernando pessoa jogam dominó.