26 julho, 2007


Artefatos de vidro e sonho


1
Me vejo no lagarto encantado
que recita versos em cima da pedra
caem folhas outonais
dos lábios dos semáforos em chamas
cariris solitários
pedem a morte em seus mini castelos
nada porque lutar, lugar nenhum pra chegar

Me vejo no lagarto encantado
que torna verde tudo que vê
voam andorinhas de vento
passando pelos ouvidos dos hidrantes
cariris homeopáticos
cheiram a morte em pratos rasos
nada porque sonhar, lugar nenhum pra querer
me vejo no lagarto encantado.
Some. Sumo.

2
Se ousasse, marte
se tentasse, mirtes
se subisse, temesse,
falasse...
morte.

3
Tenho medo e digo: amo
mas poderia dizer qualquer coisa, sim poderia.
Sonho cores impossíveis, penso, só penso
frases recheadas de enigmas paraplégicos.
Mesmo assim tenho medo e digo: amo.
E entendo tão pouco disso que gargalho do que digo.
Acendo velas de cheiros exóticos,
escuto zeca baleiro e chet baker
cozinho coisas esquisitas na panela, dentro de mim.
Os passarinhos, que não entendo, voam no lixo, voam do lixo, voam.
Eu tenho medo, e digo: amo.
E lendo amo nos meus poetas, e ouvindo amo nos meus cantores,
e assistindo amo nos meus filmes mudos, sei
que o que sei é quase nada.
não amo.

18 julho, 2007


A esperança bebe cerveja sem medo
E come pastéis com óleo de antes de ontem
trepa sem camisinha sem se incomodar com comentários
Cheira, bebe e mente
Escuta cazuza, roro e lê jack london
A esperança não está nem aí.
Ela sabe
Que vai ser a última a morrer.

12 julho, 2007


Eu canto uma canção que fala do final de tudo
O futuro marcando o passado
Feito um dado viciado em tempo
Eu recito um poema que fala de uma velha senhora de belos cabelos de algodão
Elisa, a não áspera
Ela que gostava de escolher e colecionar
Juntava miniaturas, mimos de uma criança que talvez nem foi
Guardados a sete chaves, e só mostradas a poucas e raras pessoas
Ela escolheu viver, e pagou o preço de envelhecer
Gostava de azul, e foi azul sua roupa da viagem derradeira
Gostava de santos, e sabia seus nomes e seus dias de festa e guarda
Sabia mais orações de poder e novenas do que seria necessário
Era sua brincadeira de criança: rezar, fazer crochet e
Olhar com seus olhos de coisa antiga, a vida
Que corria célere ao seu lado
Eliza matos, raiz com poderes de mimo cura e bem querer
Abençoava as costas de quem partia e, em nome de deus
Abençoava e beijava os que chegavam.
*
ela me contava histórias do arco da velha que começavam com “era uma vez”, e que sempre terminavam com alguma trama fabulosa que se misturava com nossa família. Ela me ensinava brinquedos de pensar. Ela, enquanto pôde, foi senhora do tempo: sabia quando ia chover pela dor dos seus ossos, sabia quem prestava ou não pelos olhos, pelo jeito Capitu de olhar.
*
um piston rasgou o silêncio que acompanhava seu derradeiro passeio pelas ruas de sua cidade querida. Senhora Santana. Padroeira forte.
Recebendo em seus braços a senhora Eliza. A senhora avó. Que a vida tornou áspera, mas nunca lhe roubou a doçura.
*
vó Eliza, o mundo de onde você foi embora anda esquisito. Veloz. Mas mesmo assim, belo. Vó Eliza, Luizinho aprendeu muita coisa contigo. Mais do que pensava, menos do que deveria. Eu fico grato por ter tido o presente de compartilhar contigo meus anos de menino. E te amar, cada dia um tiquinho, até ter hoje, em meu coração, o teu nome tatuado com perfume. Vó Eliza. Saudade.